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A Real Crise de Crédito

Como Governos e Instituições Financeiras podem trabalhar em conjunto para acelerar a retomada econômica

A Crise Financeira Global de 2009 foi chamada por muitos de “Crise do Crédito”. Em retrospecto, entendemos que foi muito mais uma crise de mercados financeiros, derivada de precificação incorreta de hipotecas, alavancagem em imobiliário, e liquidez insuficiente. O que estamos enfrentando agora é que está se tornando a verdadeira Crise do Crédito de nossos tempos.

A Crise Financeira Global de 2009 foi chamada por muitos de “Crise do Crédito”. Em retrospecto, entendemos que foi muito mais uma crise de mercados financeiros, derivada de precificação incorreta de hipotecas, alavancagem em imobiliário, e liquidez insuficiente. O que estamos enfrentando agora é que está se tornando a verdadeira Crise do Crédito de nossos tempos: uma situação em que famílias e empresas estão com uma demanda aguda por crédito; uma situação em que muitas companhias, em vários setores, provavelmente terão grande dificuldade em manter suas dívidas em dia; uma situação na qual o Governo e o sistema financeiro têm que trabalhar em conjunto para absorver parcialmente o choque, manter negócios vivos, e apoiar a retomada econômica.

As ações de estímulo de governos à crise do COVID-19 têm sido, em geral, amplas e em grande parte bem direcionadas para estancar problemas de liquidez imediatos. No Brasil, o governo tem anunciado novas medidas recorrentemente para combate aos efeitos econômicos da pandemia, com números oficiais totalizando ao menos R$ 1.2 Trilhões de recursos destinados. Muitas destas medidas foram, e continuam sendo, extremamente relevantes para levar o dinheiro emergencial necessário a indivíduos e empresas em situação de vulnerabilidade. É oportuno, agora, avaliar se as medidas estão sendo efetivas em seus propósitos, e observar com atenção o aumento significativo dos riscos à economia, que começam a surgir devido à alocação de crédito aquém do necessário para vários dos setores e segmentos mais afetados, ao aumento de riscos de solvência para corporates e pequenas e médias empresas (PMEs), e ao risco de contaminação do sistema financeiro.

A economia que sairá do outro lado da crise terá uma desesperada necessidade de crescimento. As autoridades terão que trabalhar em ação bastante coordenada com o sistema financeiro para endereçar estes problemas e acelerar a recuperação econômica. O estímulo deverá ser bem gasto, com responsabilidade – afinal, é o dinheiro do contribuinte, e não é ilimitado. O Governo precisará de uma abordagem mais direcionada e organizada para fornecer crédito, servindo como fonte de recursos para as áreas mais afetadas, e terá de contar com a expertise dos bancos para conseguir atingir isso em escala. A expertise de bancos em reestruturar crédito para empresas em risco se tornará cada vez mais importante, bem como a atuação crítica deles como provedores de liquidez nos mercados financeiros.

Para que o sistema financeiro possa, de fato, contribuir para a estabilização e uma mais rápida recuperação da economia, recomendamos ações que se encaixam em 4 categorias:

 

CATEGORIAS
  • 1Corrigir atuais programas de crédito emergencial a Pequenas e Médias Empresas

    Apesar de diversas medidas, como o Programa Emergencial de Suporte a Empregos (PESE), serem direcionadas a empresas de menor porte, a verdade é que os recursos não estão chegando aos negócios que precisam. Há dificuldade operacional para acessar os benefícios e linhas de financiamento emergenciais, as linhas não são atrativas para os credores (que ainda carregam parte relevante do risco), e os pré-requisitos para beneficiários aplicarem dificultam a chegada do crédito às empresas certas.

    Endereçar este ponto é crítico e requer que o governo simplifique, organize e amplie o escopo das medidas. Os critérios para concessão têm que estar alinhados entre os bancos. O crédito tem que ser de fácil entendimento e acesso para as PMEs, com requisitos de elegibilidade claros, simples e fáceis de documentar e verificar, reduzindo bloqueios operacionais e minimizando fraudes. A cobertura para os empréstimos tem que ser ampliado, ao menos para os setores mais afetados, para que seja viável do ponto de vista de risco para os bancos.

  • 2Preparar-se para uma crise de solvência de corporates

    Estamos muito preocupados, e com razão, com o crédito varejo. Ao mesmo tempo, devemos nos atentar à potencial crise de solvência de grandes empresas, que virá após o suporte de liquidez inicial. Muitos corporates já entraram na crise altamente alavancados, e sairão dela com menos receita, menos caixa e mais dívidas. Exacerbando o problema: muito dessa dívida deverá ser paga nos próximos 2 anos, criando um desafio significativo para a retomada da economia em 2021 e 2022.

    Autoridades têm que começar a se planejar para o médio/longo prazo e considerar as diferentes opções de gerenciar os riscos econômicos desse nível de endividamento, com medidas fiscais e administrativas. O governo tem que trabalhar em conjunto com os bancos para avaliar os impactos projetados de perdas de crédito no sistema financeiro, e fazer escolhas estratégicas: onde e como estender a duração de dívidas, renegociar, e estimular apoio de capital para empresas – com, por exemplo, incentivos fiscais para investimentos de capital e dividendos, ou conversão de dívida em equity. De qualquer forma, tanto o Legislativo quanto o Judiciário devem olhar com atenção os processos de recuperação e falência, e atuar rapidamente para facilitar a reestruturação de empresas que, apesar de estarem altamente alavancadas, são em essência viáveis. Novos veículos de reestruturação de empresas muito provavelmente serão necessários.

  • 3Preparar-se para intervir no Sistema Financeiro e proteger a estabilidade sistêmica

    O Sistema Financeiro Nacional entrou na crise com níveis confortáveis de provisionamento e solvência, mas a verdade é que novas crises sempre nos testam de maneiras diferentes das anteriores. Esta tem uma dinâmica iniciada no setor real, mas que logo chega ao financeiro: com um surto na demanda por crédito, associada a uma inadimplência mais alta, e um choque na oferta, com menor apetite dos credores em conceder crédito enquanto tentam lidar com o aumento da delinquência na carteira já contratada. O fato de a crise do COVID-19 chegar no momento de expansão do ciclo de crédito no Brasil é particularmente preocupante para credores de varejo, e os principais bancos já estão reportando consideráveis aumentos de provisões e quedas de margem nas divulgações de resultado trimestrais das últimas semanas.

    Mesmo neste contexto, as importantes decisões implementadas pelo Banco Central para prover mais liquidez e auxílio à economia são acertadas e necessárias, de liberação de compulsório e colchões de capital às medidas de congelamento de dívidas, passando por diversos ajustes mais específicos e direcionados. Entretanto, o sistema é heterogêneo: o risco de que Instituições Financeiras específicas estarão demasiadamente fragilizadas ou até mesmo falhem por problemas de solvência ou liquidez aumenta. O regulador tem que estar preparado para intervir e os exercícios ensaiados nos Planos de Recuperação e Resolução, recentemente implementadas no Brasil, podem vir a ter de ser testados na prática.

  • 4Planejar absorção de perdas para possíveis surtos futuros

    Riscos sistêmicos estão em crescimento se comparados a riscos diversificáveis, o que significa que um maior direcionamento do governo para absorção de perdas será uma nova realidade, e precisa ser planejada. Especificamente, para estimular confiança no nível correto de crescimento de crédito e capital, acreditamos que um modelo aprimorado para dividir absorção de perdas entre governo, empresas, investidores, bancos e seguradoras será necessário. A prioridade urgente nesse momento é colocar em vigor uma solução sistêmica para resseguros relacionados a pandemia.

Nas quatro categorias acima, autoridades e bancos terão que trabalhar de forma conjunta e coordenada. Há ainda muita incerteza em relação a como a pandemia evoluirá no país, e pouquíssimo espaço para “esperar pra ver”. Portanto o planejamento deve ser tempestivo e realizado com base em cenários, que devem incluir potenciais surtos futuros ou prolongados de COVID-19 – através de ferramentas sólidas, como o nosso completo COVID-19 Pandemic Navigator Toolkit.

As decisões e ações tomadas pelas autoridades nas próximas semanas e meses para endereçar esses quatro temas terão ramificações significativas em como as economias vão emergir da crise, e nos anos que se seguem.

 

Francois Franzl, Lisa Quest, Patrick Hunt, Doug Elliott, Barrie Wilkinson, Dylan Walsh, Dov Haselkorn, Edwin Anderson, Hang Qian, Maria Fernandes e Eric Czervionke também contribuiram para esse relatório.

Análise para mercado Brasileiro realizada por João Paulo Curado e Lucas Crepaldi.